A vantagem de ter dois autores no blog é essa: nem sempre somos da mesma opinião. E como a nossa proposta é mesmo trazer para cá as nossas conversas e partilhá-las com vocês, é isso que eu, Bete, vou fazer agora.
Concordo com o André quando diz que mulheres, infelizmente, nem sempre são levadas a sério quando reclamam ou exigem seus direitos. Mas questiono se isso é uma característica particularmente brasileira e, principalmente, se as coisas na Alemanha são assim tão diferentes. E mais: mesmo correndo o risco de levar paulada, pergunto se essa “falta de respeito” não é resultado também da postura que muitas de nós, mulheres, assumimos voluntariamente, tentando ser boazinhas e educadas (e não me excluo desse grupo). Mas vamos por partes.
Quando saí do Brasil, com 23 anos, eu não era exatamente um exemplo de mulher emancipada. Para falar a verdade, essa questão nunca me interessou muito e continua me interessando pouco. Afinal, o que é “emancipada”? Ganhar seu próprio dinheiro, morar sozinha, viver com o namorado mesmo sem casar, fazer topless na praia, comprar briga sem medo? Só isso? Eu morava com meus pais, exercia uma profissão que me dava satisfação e pouco dinheiro, tinha os amigos que queria, estudava o que queria, estava razoavelmente satisfeita com a vida que levava. Isso devia ser emancipação suficiente.
Nos primeiros anos de Alemanha, como meu marido ainda estudava e naquela época os cursos à noite ainda não haviam chegado nesse país tremendamente desenvolvido, quem ganhou dinheiro para pagar aluguel e despesas da casa fui eu. Minhas amigas brasileiras achavam isso muito natural. As alemãs perguntavam por quanto tempo eu ainda planejava fazer isso e o que faria quando engravidasse. Foi a primeira vez que ouvi essa pergunta — filhos ou trabalho? Na minha terra e no círculo de pessoas com quem eu convivia, não era preciso escolher, era normal seguir a vida com as duas coisas, dá-se um jeito. Para minha surpresa, muitas alemãs emancipadas, que levavam o namoradinho para dormir com elas em casa já aos 17 anos, desistiam de suas profissões assim que um marido aparecia acenando com um bom salário. Já meu pai, um cara extremamente conservador, que se contorcia ao ver as filhas de saia curta e reclamava quando elas chegavam em casa depois da meia-noite, mesmo depois dos 18 anos, queria que as filhas tivessem uma profissão para “não depender de marido se um dia ele tratar ela mal”. Onde está aqui a emancipação?
Conheci muitas brasileiras que sofreram no mercado de trabalho alemão por não serem tratadas da mesma forma que os homens. Principalmente nas profissões técnicas e nas grandes empresas alemãs, as mulheres ainda são vistas frequentemente em cargos com menos responsabilidade e quase sempre ganhando menos que os colegas que exercem exatamente a mesma função. De fato, a diferença entre os salários de homens e mulheres vem aumentando nos últimos anos e hoje gira em torno de 23%, como mostra um artigo na revista Der Spiegel. Embora esse fenômeno não seja exclusivamente alemão, já que ele existe também em muitos outros países, isso talvez corrija um pouco a imagem da alemã emancipada. O mesmo artigo indica, por exemplo, que essa diferença é menor em países europeus tidos como mais “machistas”, como Portugal e Itália (que tem o menor índice, com apenas 4,9%).
Mais que isso, o que me chama a atenção na sociedade alemã é a associação feita entre mulher bem-sucedida e comportamento masculinizado (uso a palavra na falta de coisa melhor no momento). Explico com uma historinha vivida há muitos anos e que me ensinou como as coisas funcionam por aqui. Eu estava na fila da sorveteria, esperando ser atendida. Quando chegou a minha vez, um grandalhão atrás de mim soltou a voz de tenor pedindo o sorvete dele. Eu olhei para trás e disse que eu estava na frente. Ele respondeu que eu não tinha dito nada, então eu perguntei: “O senhor quer que eu faça o quê, que eu grite?”. E a resposta foi “Na klar!” (claro!). Ali eu aprendi que os alemães levam você mais a sério se você falar alto. Entendi por que meu marido tinha brigas homéricas com a mãe por causa de merrecas e por que minha sogra era uma pessoa que se exaltava ao telefone para pedir uma simples informação. As pessoas na Alemanha falam alto para serem realmente ouvidas. E isso é uma característica que se encontra também no mundo profissional. Muitas das mulheres em cargos de chefia nas empresas alemãs têm um perfil dominante e são às vezes mais temidas que seus colegas homens. Para serem vistas, ouvidas, “respeitadas”, elas tendem a exagerar.
Pessoalmente, tenho dúvidas se essa é uma estratégia que funciona bem no Brasil. A começar pelo fato de que falar alto nem sempre dá bons resultados entre brasileiros, seja o grito dado por um homem ou uma mulher. Muitas vezes o que pode acontecer é o tiro sair pela culatra e você não receber o que é seu direito, justamente porque gritou.
Minha mãe, por exemplo, adora gritar, pelo menos dentro de casa e principalmente com a empregada. E vive reclamando que tudo ficou difícil depois que meu pai morreu, que uma mulher não é levada a sério pelos homens, que se fosse meu pai resolvendo as coisas, os problemas não existiriam. Mas, outro dia, ela precisou ir à Cedae resolver um problema de abastecimento de água no apartamento de um inquilino. Primeiro, foi sozinha, conversou com um rapaz “muito educadinho”, jogou aquela conversa dos cabelos brancos, a dor na coluna, o dinheiro pouco da aposentadoria. O rapaz explicou lá para ela um jeito de resolver a coisa e pediu que voltasse outro dia com mais um documento qualquer. Ela voltou, dessa vez levando o inquilino, pois achava que ele, como homem, saberia explicar e entender melhor a coisa. Deu uma confusão danada, o inquilino é um tipo esquentado, o rapaz “educadinho” esqueceu dos bons modos e mandou o inquilino ver se ele estava na esquina. Ontem minha mãe me disse que vai voltar à Cedae. Quando eu perguntei se vai levar o inquilino, a resposta veio rápida: “Deus que me livre! Ele só ia complicar ainda mais, eu vou sozinha!”.
Ou seja, a HB-Frauchen pode funcionar bem na Alemanha. Mas no Brasil, tenho minhas dúvidas.
O que precisamos, sejamos nós mulheres ou homens, é simplesmente ter mais consciência de nossos direitos e não ter medo de exigi-los quando chegar a hora. Se isso vai ser feito no grito ou não, é uma escolha pessoal. Eu não gosto de gritar, faz mal à garganta. Mas dizem que minha veia na testa cresce quando a coisa começa a ficar séria.
Haveria outras coisas para discutir, como a imagem dos homens alemães que colaboram nos afazeres domésticos e os brasileiros boas-vidas que mal sabem fritar um ovo. Há muito folclore nisso, mas é conversa demais para um post só. Por isso, passo a palavra para quem quiser comentar.
Adorei o seu artigo, Bete. Mas acho que perdi o bonde andando com relação a HB, seja Frauchen ou Männchen. O que quer dizer HB?
No mais, concordo completamente, essas tais diferenças comportamentais não podem ser generalizadas. Existem pessoas de mente aberta em todos os lugares, assim como existem pessoas preconceituosas em todos os lugares também.
Ô Marion, ainda bem que você chamou a atenção para isso! Eu me empolguei com a conversa de emancipação e esqueci de esclarecer de onde vem esse HB. O André faz uma referência no post anterior dele, mas vou publicar um post curtinho só para apresentar essa figura aos leitores.