Stuttgart não é nenhuma metrópole. Às vezes ela é chamada de Heizkessel, caldeira, mas isso é porque a cidade fica em um vale e o termômetro aqui está sempre alguns graus acima da temperatura medida nos arredores. Fervilhante não é um adjetivo que se use para descrever essa cidade.
Nos últimos tempos, porém, a cidade está realmente fervendo. A culpa não é do verão, mas de Stuttgart 21, um projeto urbanístico gigantesco que vai transformar a cidade em um canteiro de obras pelo menos nos próximos dez anos. Para modernizar as vias ferroviárias, alegando que isso permitirá encurtar as viagens, os governos municipal, estadual e federal, juntamente com a companhia ferroviária Deutsche-Bahn, decidiram reformar a estação central, que hoje é do tipo terminal, ou seja, de fim de linha, e transformá-la em uma estação subterrânea de passagem direta para os trens. Para isso, metade do prédio da antiga estação, tombado pelo patrimônio histórico, será demolido e um grande número de árvores do atual parque municipal será derrubado para as escavações. Não bastasse isso, os gastos astronômicos previstos para o projeto no início do planejamento, mais de dez anos atrás, já chegaram a mais de 4 bilhões de euros e continuam aumentando. E há também um grande risco de que o complexo sistema de fontes de águas minerais existente na região seja prejudicado seriamente.
Pouco a pouco, foi se formando uma resistência ao projeto na população. A reação inicial dos políticos locais foi aquela que todos conhecem: ignorar solemente. Só muito tarde começaram uma campanha em prol do projeto, informando sobre suas supostas vantagens. Não convenceram e o que antes era o movimento de um grupo tachado de „verdes alternativos“ virou uma ação popular em massa.
Há passeatas no mínimo duas vezes por semana. Na última falava-se de 30 mil participantes, amanhã espera-se ainda mais gente. Todos os dias, às 19 horas, centenas de pessoas pegam um apito, uma vuvuzela, um tambor, panelas ou simplesmente a própria garganta e fazem um barulho desgraçado em sinal de protesto. A cerca que protege a área onde começarão as obras lembra o muro de Berlim, coberta de cartazes, caricaturas de políticos, faixas e até cartas e desenhos de crianças. E ontem, quando a primeira ala lateral da estação começou a ser demolida, os manifestantes tomaram conta das ruas e o trânsito parou na cidade.

A foto é péssima, mas quem pegar uma lupa talvez veja alguns manifestantes no telhado, em vias de pendurar uma faixa de protesto.
O que acho mais curioso nisso tudo é que as pessoas mobilizadas nesse protesto são os típicos pacatos moradores da cidade – gente de meia-idade, famílias com crianças, aposentados, cujo sangue só entrou em ebulição porque se sentem ludibriados por políticos conservadores em quem eles mesmos votaram. O partido conservador CDU sempre foi o dono do pedaço nessa região. A oposição no parlamento varia, os verdes têm uma boa fatia de eleitores, mas quando há eleições, ninguém duvida que a maioria será novamente do CDU, só o percentual varia. Mas parece que isso pode mudar com Stuttgart 21. Pela primeira vez em décadas, as pesquisas indicam que o partido perderia a maioria se as eleições fossem hoje. Não são, mas serão no ano que vem, quando o canteiro de obras estará a todo vapor.
Ontem, a televisão mostrou um senhor de cabeça branca treinando para se acorrentar a uma das árvores centenárias do parque municipal quando as primeiras escavadeiras chegarem. Taí uma cena que não quero perder.