Para deixar bem claro desde o início: esse artigo não é um incentivo ao amadorismo, nem pretende motivar ninguém a se aventurar pelo mundo da interpretação sem preparo. Quem ler isso aqui deveria, ao contrário, entender o valor do trabalho de um profissional e do preparo que ele exige.
Na vida real, infelizmente, o que acontece é que a maioria das pessoas continua acreditando que basta falar bem uma língua, além da própria, para poder servir de intérprete. E foi por isso que minha irmã me ligou ontem com o coração apertadinho, pedindo ajuda para descascar o seguinte abacaxi.
Minha irmã é professora universitária, ensina francês em um curso de línguas estrangeiras aplicadas. Amanhã, o departamento da sua faculdade vai receber a visita de um pesquisador francês, que vai apresentar seu trabalho para os alunos e alguns professores. Vocês já devem estar imaginando o que vem por aí. Pois é, o homem não fala português e alguém vai ter que interpretar. E como a minha irmã fala excepcionalmente bem a língua (eu não entendo nada de francês, mas juro que não é orgulho de família, é o que sempre ouvi de gente que sabe o que diz), sobrou para ela. A ideia de contratar um intérprete profissional nem foi cogitada justamente no lugar onde deveriam saber disso melhor que ninguém, já que é dali que saem os futuros profissionais. Mas isso é assim no mundo inteiro, não vou discutir aqui. O fato é que minha irmãzinha querida vai ter que se virar e me pediu umas dicas. E o que você diz para alguém nessa situação?
Não dá para fazer um treinamento relâmpago nessas horas, ainda mais por telefone. Então eu tentei simplificar e pensei nas coisas que gostaria que tivessem me dito quando fiz minhas primeiras interpretações. Depois pensei que poderia publicar isso aqui e trocar ideias com vocês, pois acho que o que é essencial numa hora dessas continua sendo essencial para o resto da nossa vida profissional. Então lá vai.
Primeiro de tudo: respire fundo, mantenha a calma e acredite que você vai dar conta do recado. Se procuraram você, é porque algum talento você deve ter. E se você se encontra nessa situação “quebrando um galho”, ninguém pode esperar que seu desempenho seja o de um profissional. Portanto, faça o melhor possível. Na pior das hipóteses, todos serão gratos pelo seu esforço. Na melhor, você pode se surpreender com o resultado e sair dali satisfeita. E não se culpe pelos erros que cometer. Mesmo os melhores profissionais erram. Para mim, essa é a dica mais importante, sempre.
Segunda dica: um bloco de notas e uma caneta que escreva bem (e esteja com a carga cheia). Sem bloco de notas, não saio de casa. De preferência um daqueles que cabe na mão e é fácil de virar as páginas. Não gosto de cadernos, acho mais complicado. O bloco, além de ser imprescindível para anotar nomes, números, ou aquelas palavras que a gente provavelmente vai esquecer depois, dá uma segurança tremenda. Às vezes, acabo nem anotando nada, se estiver bem concentrada e o palestrante for daqueles que não complica e faz pausas frequentes e lógicas. Mas saber que o meu bloquinho está ali, pronto para refrescar minha memória, é primordial. Eu também aprendi a não economizar papel e gasto mesmo, só escrevo a parte da frente das folhas, para não me perder depois virando páginas e procurando onde foi que anotei aquela palavra-chave.
O que já é outra dica: não tente anotar tudo, tim-tim por tim-tim, a não ser que você tenha um passado de megasecretária e domine estenografia como ninguém. Melhor anotar ideias centrais, que alinhavem o discurso. Há livros grossíssimos sobre técnicas de anotação para intérpretes, mas quem está tentando descascar o abacaxi não tem tempo para isso e, no fim das contas, cada intérprete desenvolve sua própria técnica. Eu comecei lembrando do que fazia na época da universidade, anotando o que achava mais importante e fazendo verdadeiros mind-mapings nos cadernos. Faço isso até hoje, uso setas para ligar ideias, sublinho palavras que devem ser acentuadas e circulo aquelas que são essenciais.
Outro detalhe importante é conversar antes com o palestrante e combinar com ele o ritmo da interpretação, ou seja, pedir que faça períodos curtos e pausas frequentes, para que você possa acompanhar o discurso. No caso do nosso abacaxi, isso é ainda mais importante. Você não é profissional, portanto ninguém pode esperar que você se lembre de cinco minutos corridos de falatório. Acham que cinco minutos é pouco? Pois então experimentem ouvir cinco minutos de Jornal Nacional e depois repetir o que foi dito. Portanto, peça ao palestrante para ser curto e combine com ele também um sinal que você possa dar quando perceber que chegou a hora de fazer uma pausa.
Isso leva a mais um aspecto que pode ser importante: onde você vai ficar durante a palestra? A estrela do evento é o palestrante, mas você precisa estar perto dele, para manter contato visual e poder ouvi-lo bem. Pense nisso e escolha um lugar apropriado.
Por último, uma grande vantagem da interpretação consecutiva é que você pode fazer perguntas ao palestrante. Ele disse alguma coisa que você não ouviu? Alguma ideia não ficou clara? Pergunte. Ele vai entender e talvez até apreciar, pois é um sinal de que você está acompanhando o que ele diz e preocupada em transmitir o conteúdo corretamente. Saber que você pode perguntar também tem um efeito tranquilizador incrível, ajuda a organizar as ideias e aumenta aquela autoconfiança que mencionei lá na primeira de todas as dicas.
Depois de fazer essa relação, vou ficar torcendo pela minha irmã, que certamente vai se sair muito bem, e abro o espaço para quem tiver mais sugestões. Se você tivesse que resumir em poucas palavras, quais seriam as suas dicas essenciais para um intérprete inexperiente, pego de surpresa?
Bete, acho importante também que o “quebra-galhense” seja apresentado corretamente, deixando claro que não é intérprete (profissional ou formado) ou especialista no assunto em questão, para que eventuais expectativas do público ou do interpretado não sejam frustradas (e o esforço e boa-vontade da “vítima” possam ser valorizados)!
Boa sorte para a sua irmã!
Oi, Constance, quanto tempo! Claro, importantíssimo! Não pensei nisso pois, no caso dela, o público praticamente já sabe. Mas até falamos sobre isso na nossa conversa. Valeu a lembrança!Abração!
Adorei, Bete! Minha dica essencial para mim mesma: não te mete com interpretação…Abraço
Ingrid, pra mim agora é tarde! Já estou no meio do tiroteio, não adianta correr! 🙂 Bom te ver por aqui. Abraço