A época das tardes na biblioteca, consultando dicionários, livros e enciclopédias, com uma lista de termos e dúvidas anotados durante a tradução de um texto pela manhã, ficou para trás, ainda bem. Não que eu não goste de bibliotecas, pelo contrário. Mas convenhamos que nenhum de nós sonha em abrir mão do conforto e da rapidez que a internet nos proporciona.
O que não mudou é que, ontem como hoje, tradutor que se preza, quando em dúvida, sempre consulta. Faz uma busca no google, confere a palavra no dicionário ou pergunta a alguém que entenda mais do assunto do que ele. E ficou tão mais fácil encontrar respostas para as nossas perguntas que ficamos mal acostumados. Queremos resposta para tudo e de preferência para ontem.
Acontece que ainda há situações que não permitem isso. Quem é intérprete, já deve ter passado por momentos em que apareceu aquela expressão que não estava na terminologia estudada, ou em que o cérebro resolveu provar que você pode até mandar muito, menos nele. Nessas horas, nem tudo está perdido.
Eu sou mergulhadora e aprendi debaixo d’água talvez a mais importante regra de sobrevivência em qualquer situação: continue respirando! Seu cérebro precisa de oxigênio para continuar funcionando e você vai precisar dele para fazer o que é necessário nessas horas: chutar. Mas chutar bem!
Chutar bem é uma arte. Você precisa saber para onde e como está chutando, para ter uma chance de acertar, pelo menos, na trave. Traduzindo, ou interpretando, isso significa que você precisa entender muito bem o contexto e a língua de partida para ter uma noção do que está sendo dito e do que aquela palavra pode significar.
Quando estou fazendo uma interpretação consecutiva e perco alguma coisa, ou sai um daqueles termos de novíssima tecnologia, vestido de branco para me assombrar, eu respiro e me concentro no resto. O que ainda vão falar pela frente pode servir de ajuda. E, afinal, na consecutiva você tem a vantagem de poder até pedir que a pessoa explique melhor o que disse, antes de fazer a sua parte. Se você não conhece o termo, poderá ao menos explicar o que é.
A simultânea, que estou tentando aprender no momento e por cujos colegas tenho um enorme respeito, é um mergulho ainda mais profundo, pois tudo é muito rápido. Talvez seu parceiro de cabine possa ajudar (no curso, ainda somos lutadores solitários, ninguém por perto). Talvez você seja tão “multitasking” que até consiga procurar a palavra no laptop paralelamente e encaixá-la lá na frente (eu ainda estou ocupada demais ouvindo e formulando frases para conseguir usar o teclado). Mas se você estiver bem concentrado, acompanhando bem a matéria, é bem capaz que o chute saia sem você nem perceber. Isso me aconteceu outro dia durante a aula e, sinceramente, nem me lembro mais da palavra. Só me lembro da sensação de ter falado uma grande besteira e do alívio quando a continuação da palestra confirmou o que o instinto no pé já tinha mandado para a frente – logo eu, que sou péssima com qualquer tipo de jogo de bola.
Um bom exercício para treinar chute ao gol é ler sem o auxílio de dicionários, seja na língua estrangeira ou na própria língua. Adquiri essa mania na infância. Por pura preguiça de procurar as palavras, preferia ler sem parar, sublinhando o que não entendia bem, mesmo sob o risco de não entender todo o texto. Depois ia procurar as palavras e era uma alegria ver que estava certa em algumas suposições. Mas melhor ainda era descobrir onde tinha me enganado, o que abria meus olhos para novas leituras.
Não quero, de forma alguma, fazer aqui a apologia da imprecisão. Pelo contrário, nosso compromisso como tradutores e intérpretes é com a máxima precisão possível, a língua é nosso instrumento de trabalho e com isso não se brinca. Mas acho que não devemos esquecer do que nos fez chegar aqui – aquele prazer que nos fazia inventar palavras na outra língua, só porque o som parecia estar certo, lembram? Tão importante quanto querer acertar é também não ter medo de errar e aprender como correr riscos, para que a queda não seja muito dolorida. O medo da imperfeição é paralisante. Já acertar na trave, às vezes, é quase como um golaço.